quinta-feira, 4 de abril de 2013

Estado Laico x Estado Teocrático

Se é vedado à União estabelecer cultos religiosos ou igrejas... ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança (Art. 19 da CF, a seguir), como explicar que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados esteja sob a liderança de um Pastor?

Se a Declaração Universal dos Direitos Humanos garante, desde 1948, que todos têm direito a igual  proteção da lei, inclusive contra qualquer discriminação, por que se nega aos homossexuais o direito que tem, os heterossexuais, de constituir união civil e legar herança ao parceiro?

A indignação e a perplexidade dos que protestam contra a permanência de Marcos Feliciano à frente da Comissão de Direitos Humanos é justa. Ele opõe a Bíblia aos direitos universais e constitucionais. Então, que permaneça nos púlpitos, pregando, que renuncie à carreira política... E que não faça muitos adeptos.

Que Deus ilumine a audiência, desse e de outros pastores, para que as más palavras que proferem sejam, de pronto, rejeitadas; que os fiéis, enfim, usem o próprio cérebro, a capacidade de pensar, que deixem de ser tolos, pobres marionetes nas mãos de religiosos que visam a vida material e o enriquecimento à custa de dízimos e da política. Que a liberdade que vivenciamos, no estado laico, seja preservada, que não tenhamos, um dia,  que obedecer a ordens de pastores imbecis e mal intencionados...

Uma prima, muito querida, me narrou a experiência vivida na igreja que frequentava. Ela alegava os próprios afazeres de dona de casa, mãe de família, para convencer o pastor da impossibilidade de estar todo o tempo na igreja. O pastor, manipulador, dizia-se tomado pelo Espírito Santo e que, nessa condição, via o que se passava na casa da minha prima, insinuando que ela estaria preferindo os carinhos do marido ao serviço de Deus... Minha prima, uma sábia, mudou de igreja, simplesmente! Não se submeteu, não acreditou naquele palavrório de um pastor mal intencionado... Simplesmente, porque vivemos em um um estado laico, ela pôde escolher. E se vivesse em uma teocracia? Estaria sujeita ao mando de um mero pastor ..."tomado pelo espírito", como eles gostam de afirmar, para justificar tudo o que engendram, até as torpezas, como essas em que, uma pessoa que se diz religiosa, não hesita em afirmar que a Comissão de Direitos Humanos estava sob o poder de satanás... E, é bem provável que a platéia que o assistia tenha, na ocasião, proclamado muitos "aleluias"...

O problema, agora, é que há pessoas que parecem estar abdicando da capacidade de pensar, de enxergar... Isso é amedrontador... Se levamos a Bíblia ao pé da letra acreditando ter sido ditada por Deus, teríamos que extinguir todas as conquistas femininas modernas que se contrapõem ao texto bíblico e, até,  aplicar a pena de morte a mulheres:

"Deuteronômio, 22
20 Se, porém, esta acusação for confirmada, não se achando na moça os sinais da virgindade,
21 levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão até que morra;"
Prefiro as leis terrenas e os textos bíblicos coerentes com a essência do Cristianismo:
"O que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles". (Lc. 6,31)."
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Declaração Universal dos Direitos Humanos
Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)
da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948

"Artigo XVIII
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular."
"Artigo VII
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação."

Evangélicos buscam o quê? Estado laico ou estado teocrático?

Brasileiros que, porventura, pretendessem fazer da Bíblia sua única fonte de conhecimento, sua única diretriz para a vida terrena, brasileiros que se recusassem a estudar e a acatar as leis deste país por considerá-las em contradição com o texto bíblico... O que restaria a esses fieis fundamentalistas?  Teriam que conquistar um outro território e fundar um novo estado, um estado teocrático e submeter-se ao poder de governantes-sacerdotes, reconhecendo-os como representantes diretos de Deus, renunciando às liberdades conquistadas, retrocedendo no tempo e vivendo nos moldes do século XVIII...

Brasileiros religiosos, seja qual for a religião praticada, têm o dever de respeitar os direitos dos demais, inclusive dos ateus. O problema é que há um grupo de pessoas empenhadas em inverter essa questão e de fazer crer que o que acontece é o oposto: eles é que estariam sendo desrespeitados em seus direitos. 

É fácil desmascará-los, é suficiente indagar que direitos estariam impedidos de exercer. Na verdade, o que esse grupo rejeita é o exercício de conviver com os outros, os "diferentes". Eles gostariam que os "diferentes" se anulassem, se escondessem, repudiassem a si mesmos, a suas crenças, à sua natureza ... 

Imagens de santos, figuras e símbolos do Candomblé são consideradas afrontas... Basta pesquisar, no google, a expressão "Salve Jorge"... E constatar as sandices que retornam, é inacreditável...
Relacionamento afetivo entre entre pessoas do mesmo sexo, com direito de herança, pensão e etc, reconhecidos, está sendo violentamente rejeitado como se fosse um crime! Aborto terapêutico? Idem.

Mas, são questões da esfera da Justiça e do Direito onde, nos Estados Democráticos, é compulsório admitir que todos são iguais e que a liberdade que assiste a um, aos demais também.

Será tão difícil entender que dois homens, ou duas mulheres, que tenham longa vida em comum e que, juntos, construam um patrimônio, têm o direito de deixar esses bens para o parceiro? 

Quanto aos que creem ser, a Bíblia, um livro de verdades absolutas, esses continuam a ter o direito de assim pensar e de, no exercício desse direito, não se unir a alguém do mesmo sexo, não ter imagens de santos e do Candomblé em casa, de não abortar... Convém lembrar que, na Bíblia, há "verdades absolutas" que ferem os direitos das mulheres, há mensagens incitadoras de violência contra as mulheres:
"Deuteronômio, 22
20 Se, porém, esta acusação for confirmada, não se achando na moça os sinais da virgindade,
21 levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua cidade a apedrejarão até que morra;"
Por isso, esses grupos religiosos que, lamentavelmente, conseguem levar representantes ao Parlamento, fariam bem se, a par da Bíblia, refletissem sobre os art 5º  e 19 da Constituição Federal e sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, sempre atentando para o fato de que vivemos em um Estado Laico:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI- é inviolável a liberdade de consciência de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII- é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII- ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)
da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948
Artigo XVIII
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
Artigo VII
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.