segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A "Lei da moral e dos bons costumes".

Inevitável falar sobre a ação de políticos inescrupulosos, inevitável desabafar indignação e revolta quando, rotineiramente, a TV exibe a precariedade dos serviços prestados pelo Estado: calamidades provocadas por secas e por enchentes, se repetindo ano após ano; transporte coletivo incompatível com as demandas; ônibus abarrotados e mal conservados e rodovias idem; mortes nas estradas e trabalhadores gastando quatro horas por dia no deslocamento casa-trabalho...E nem se fale da precariedade dos sistemas de saúde e de educação.

É nesse contexto que uma deputada estadual do Rio de Janeiro ligada a um grupo religioso, possivelmente bem intencionada, propõe uma lei que visa resgatar valores morais. Soa bastante irônico... Primeiro, porque é à sombra do Poder Público que prosperam os maus exemplos... Segundo, porque somente a educação é capaz de suscitar "...Valores Morais Sociais, Éticos e Espirituais...". Será que a Deputada desconhece o papel que cabe à educação nesse terreno?

Não seria demais lembrar que o Art. 208 da Constituição Federal (a seguir transcrito) garante ao cidadão, desde 1988, o acesso à educação. Por quê, então, não se propõe cobrar o efetivo cumprimento daquilo que já está previsto? Para quê criar arremedos em paralelo?

O leitor que tiver tempo e curiosidade, compare o objetivo texto constitucional com o texto inócuo da Lei estadual nº 6394/2013, recentemente aprovada pelo Governador Sérgio Cabral. Políticos precisam trabalhar de verdade! Fazer de conta, chover no molhado? É coisa de estelionatário.

"Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Emenda 59, DE 2009)
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Emenda 59, DE 2009).

§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola."

Faria melhor, a Deputada, se olhasse os direitos de cidadãos cariocas, sistematicamente violados, quando lhes falta a saúde, a educação, a segurança, o transporte... Mas, o que se nota é que o Poder Público, em todas as esferas, negligente no cumprimento de seus deveres e eficientíssimo no sistema de arrecadação, ainda se furta ao atendimento de reclamações na Justiça, postergando, postergando, e postergando para, jamais, pagar o que deve ao cidadão reclamante. É ou não é imoral?

Lamentavelmente, a palavra "moral",  pronunciada por indivíduos desejosos de doutrinar, quase sempre é no sentido da conduta sexual alheia, algo que é do âmbito da privacidade de cada um!

Homens, mulheres, não importa se héteros ou gays, são humanos. Mas há aqueles que parecem enxergar somente a dimensão sexual das pessoas, uma espécie de ideia fixa!

Não faz muito tempo essa Deputada, preocupada com a moral e os bons costumes, declarou-se casta,  em estado de abstinência... Espero que suas "boas intenções", com esse "programa de resgate da moral",  não inclua o comportamento sexual alheio.

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